Excelentíssimo Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores,
Cumprindo o ditado popular "não há duas sem
três", aqui estou eu, Ivo Sousa (investigador natural da ilha do Pico), a lhe
enviar uma terceira carta aberta. Após me debruçar sobre
distâncias na ilha
do Pico na primeira carta e sobre
ligações marítimas
no Triângulo na segunda carta, desta vez o assunto que irei abordar é o das
ligações aéreas entre os Açores e Lisboa.
O transporte aéreo é da maior importância não
só para quem visita o arquipélago dos Açores, mas sobretudo para os açorianos.
Aliás, o
PIT (Plano Integrado
dos Transportes dos Açores) explicita claramente esta importância: "A mobilidade
dos cidadãos na Região está fortemente dependente do transporte aéreo, sendo
este, por vezes, a única forma de assegurarmos a deslocação interna, bem como
de e para o exterior do arquipélago". O
PIT acrescenta ainda
que "A realidade geográfica do arquipélago, associada ao
desenvolvimento planeado da região, que privilegia a coesão social, económica e
territorial, originou a necessidade de construção de infraestruturas
aeroportuárias em todas as ilhas, visando para além da mobilidade interna, a
melhoria das acessibilidades e contribuindo assim para que,
de forma equitativa, todos
pudessem entrar e sair da Região".
Recentemente foi anunciado por Vossa Excelência
o
novo modelo de
Obrigações de Serviço Público nas ligações aéreas entre os Açores e o
Continente. Uma das principais novidades anunciadas é a "melhoria das condições de
encaminhamentos no interior da Região de passageiros que pretendam aceder a
qualquer
Gateway com ligação ao
exterior". Estes encaminhamentos são fundamentais para garantir um serviço
justo para todos os açorianos e para quem nos visita. Mas melhorar o
encaminhamento não é só garantir que se chega ao destino; é também essencial
que se chegue dentro de um horário razoável.
Quando se consideram as entradas e as saídas da
região, a origem e o destino mais comum é a capital portuguesa: Lisboa é onde
muitos turistas nacionais ou estrangeiros apanham o avião para os Açores e
vice-versa; Lisboa é onde muitos açorianos se deslocam para tratamentos
médicos; Lisboa é onde muitos estudantes açorianos apanham o autocarro, o
comboio ou outro meio de transporte para chegarem ao seu local de estudo. É por
isso da maior importância garantir que as ligações entre todas as ilhas dos
Açores e Lisboa são de qualidade.
No caso da realidade que melhor conheço, a da ilha
do Pico, existe um sentimento generalizado da população de que chegar a Lisboa
demora muito tempo e de que se chega muito tarde. Sendo eu uma pessoa "dos
números", decidi averiguar não só se este sentimento correspondia à realidade,
mas também o que se passa nas restantes ilhas do arquipélago, recorrendo a um
estudo estatístico feito por mim que quero partilhar consigo.
O estudo está dividido em duas partes:
- A primeira avalia a viagem de uma pessoa que pretende sair de Lisboa e
chegar a qualquer ilha dos Açores;
- A segunda parte avalia o percurso dos Açores para Lisboa.
As condições do estudo são muito simples:
- Uma pessoa dirige-se ao aeroporto da origem e apanha somente aviões para
chegar ao seu destino, podendo utilizar qualquer combinação de companhias
aéreas;
- A viagem escolhida corresponde àquela que permite chegar o mais cedo
possível ao destino, ou seja, a preferência pode recair sobre voos não
directos.
Em anexo encontram-se várias tabelas compiladas por
mim, onde estão expressos dados referentes às horas mínimas de chegada ao
destino para todos os dias da semana e para todas as ilhas dos Açores. Estes
dados são baseados nos horários da época de
Inverno IATA 2014/2015 (que entrou em vigor
no último Domingo de Outubro, dia 26) que obtive através do
site da
SATA. Certamente que nesta época do ano existem menos ligações devido à
menor procura, mas isso não significa que não tenham de ter a melhor qualidade
possível, pois muitos problemas de saúde surgem de repente e necessitam de
tratamento em Lisboa, as reuniões de negócios muitas vezes têm aviso prévio na
véspera e ainda há os turistas que nos visitam no Inverno (poucos mas felizmente
existem).
Considerando as ligações de Lisboa para os Açores, decidi
realçar as chegadas a uma determinada ilha depois das 13h. Este limite dá a
sensação de passar metade do dia já no destino, permite o
check-in imediato nos hotéis e permite um almoço de negócios ou um
almoço de família (por experiência própria digo-lhe que esta é uma sensação
particularmente gratificante para quem está longe e regressa à terra natal).
A primeira conclusão que se pode extrair dos dados
é que apanhando somente o avião é impossível chegar ao Corvo em quatro dias da
semana, incluindo os fins-de-semana. Considerando as restantes ilhas do
arquipélago, observa-se que aos Domingos é possível chegar a todas elas antes
das 13h excepto a Santa Maria e ao Pico, e que aos Sábados apenas não se
consegue chegar antes das 13h à ilha Montanha (curiosamente Sábado é o único dia
em que existe voo directo Lisboa – Pico...).
Em relação aos dias úteis, em todas as ilhas existe
pelo menos um dia em que se chega antes das 13h, sendo que a ilha de Santa
Maria está no limite das 13h (à Quinta-feira, único dia em que existe voo
directo Lisboa – Santa Maria). Em termos médios (onde para a ilha do Corvo
apenas contam os dias em que há voos), os dados mostram que apenas as ilhas de
Santa Maria, da Graciosa e do Pico apresentam uma hora média de chegada depois
das 13h; se no caso da Graciosa e do Pico ainda se pode argumentar que a hora
média está próxima do limite (13h06 e 13h31, respectivamente), no caso de Santa
Maria a média de chegada nos dias úteis situa-se às 18h12!
Atendendo agora às ligações dos Açores para Lisboa,
decidi realçar as chegadas a Lisboa depois das 14h, destacando também as
chegadas após a meia-noite. Este limite das 14h permite a um viajante com
destino final diferente de Lisboa apanhar as mais diversas ligações (seja
comboio, autocarro ou mesmo outro avião) e permite a um passageiro com destino
à capital portuguesa chegar a tempo de apanhar serviços públicos abertos, ter
consultas médicas, em suma, a tempo de usufruir de praticamente metade de um
dia útil.
Novamente verifica-se que a ilha do Corvo é servida
de forma diferente do resto do arquipélago, pois em quatro dias da semana,
incluindo os fins-de-semana, é impossível chegar a Lisboa apanhando somente o
avião. Também se observa que apenas para as seis ilhas menos populosas (Santa
Maria, Graciosa, São Jorge, Pico, Flores e Corvo) muitas das horas de chegada
são depois da meia-noite (desde a minha juventude que oiço dizer que estas eram
"as ilhas do futuro" mas não percebia bem o conceito; agora fez-se luz:
partindo de avião destas ilhas, muitas vezes a hora mínima de chegada a Lisboa
é na madrugada do dia seguinte, ou seja, no futuro!).
Em relação aos dias úteis, as ilhas do Pico, das
Flores e do Corvo são as únicas em que não existe pelo menos um dia em que se
chegue a Lisboa antes das 14h, sendo que a hora de chegada mínima é por volta
das 18h, ou seja, sempre depois do fecho dos serviços públicos e da última hora
de muitos comboios que partem de Lisboa. Considerando apenas os fins-de-semana,
unicamente as ilhas de São Miguel e da Terceira cumprem o limite das 14h em
pelos menos um dos dias.
Em termos médios (onde para a ilha do Corvo apenas
contam os dias em que há voos), os dados mostram que apenas a ilha de São
Miguel apresenta uma hora média de chegada a Lisboa inferior às 14h (quer para
dias úteis quer para fins-de-semana). As horas de chegada a Lisboa para as
restantes ilhas do arquipélago são bastante elevadas, sendo que a maior é
registada no Pico aos dias úteis, 22h58, o que confirma o sentimento dos
picarotos de que se chega muito tarde a Lisboa.
Espero que este estudo lhe seja útil no processo em
curso de revisão das obrigações de serviço público, sobretudo ao nível de
horários. As obrigações poderiam tentar garantir
uma verdadeira equidade de horários entre as várias ilhas do
arquipélago no que respeita ligações com o exterior, nomeadamente com Lisboa.
Existem casos simples de solucionar, tais como Santa Maria e Pico, onde por
imposição de horários nas obrigações de serviço público, as respectivas
Gateways poderiam servir melhor as
respectivas populações. Os limites apresentados (13h com chegada aos Açores e
14h com chegada a Lisboa) podem ser exigentes, mas é tentando
melhorar ao máximo em direcção ao ideal que se atinge a solução óptima.
Pelo
que referi no início desta carta, termino, Senhor Presidente, com o sentimento
de que cumpri a minha parte dos ditados populares. Espero que Vossa Excelência
tenha a amabilidade de cumprir a sua parte e responder a uma carta minha, pois
como diz o povo "à terceira é de vez"!
Haja saúde!
Post scriptum: Esta carta aberta, à semelhança das anteriores, foi enviada para os correios electrónicos do Governo Regional dos Açores e da Presidência do Governo Regional, bem como via formulário electrónico de contacto do Governo Regional, sendo estes os contactos que estão disponíveis na
página oficial do Governo Regional dos Açores.
(ver também: