O meu nome é Ivo Sousa, tenho 31 anos e sou natural da ilha do Pico. Desde 2002 que os estudos universitários, no início, e agora a minha atividade profissional de investigador no Instituto de Telecomunicações, polo do Instituto Superior Técnico - Universidade de Lisboa, levam-me a passar a maior parte do tempo longe da ilha montanha. Contudo, sempre que me é possível estou de visita às minhas origens e, por isso, viajo frequentemente de avião entre a capital portuguesa e a ilha do Pico. É sobre este assunto que venho partilhar consigo algumas conclusões que extraí após a constante busca pela melhor forma de chegar à minha ilha por via aérea.
Em primeiro lugar, e julgo que concordará comigo, o transporte aéreo é da maior importância, não só para quem visita o arquipélago dos Açores mas sobretudo para os açorianos. Aliás, o Plano Integrado dos Transportes dos Açores explicita claramente esta importância: "a mobilidade dos cidadãos na Região está fortemente dependente do transporte aéreo, sendo este, por vezes, a única forma de assegurarmos a deslocação interna, bem como de e para o exterior do arquipélago". Sobre esta matéria, saúdo o trabalho efetuado pelas diversas entidades públicas, incluindo o Governo Regional, na melhoria da mobilidade aérea dos açorianos e não só, nomeadamente aquela que foi obtida através das novas obrigações de serviço público que entraram em vigor no ano transato referentes às ligações aéreas entre as nove ilhas do arquipélago e às ligações aéreas entre os Açores e o exterior.
No entanto, uma das primeiras conclusões que tirei ao simular voos entre Lisboa e a ilha montanha, e que mais me surpreendeu pela negativa, está relacionado com o facto de que as novas obrigações de serviço público para as ligações aéreas interilhas não estão a ser cumpridas para a ilha do Pico. Passo a justificar detalhadamente esta minha afirmação, começando por recordar as palavras de V.ª Ex.ª em fevereiro de 2015, aquando da apresentação destas obrigações de serviço público:
Outra das imposições previstas prevê que seja possível um passageiro de qualquer ilha apanhar, no mesmo dia, uma ligação ao exterior da Região.Estas suas afirmações podem ser efetivamente comprovadas no texto das obrigações de serviço público para as ligações aéreas interilhas, onde está mencionada a seguinte obrigação:
Sempre que existam voos para determinada ilha estes devem permitir que essa ilha tenha, pelo menos, uma ligação de e para o exterior da Região.No meu entendimento, e sendo Lisboa o destino e a origem mais frequente no que respeita às viagens aéreas com o exterior da região, o conteúdo de ambas estas citações tem como implicação que sempre que há um voo de ou para uma ilha, os passageiros aéreos têm a garantia de chegar no mesmo dia a Lisboa ou de fazer a viagem no sentido contrário, isto é, sair de Lisboa e chegar num só dia a essa ilha. Todavia, esta não é a realidade atual no transporte aéreo que serve a ilha montanha desde que entrou em vigor o horário de Inverno IATA 2015/2016 (no último domingo de outubro passado): apesar de o aeroporto da ilha do Pico ser servido diariamente por voos interilhas, existem dois dias da semana, mais concretamente terças e quintas-feiras, onde partindo de Lisboa ou de qualquer outro local exterior à Região e viajando somente de avião, é impossível chegar, no mesmo dia, à ilha do Pico. No sentido inverso não se verifica este incumprimento das obrigações de serviço público, ou seja, em todos os dias da semana é possível sair pelo aeroporto da ilha montanha e chegar a Lisboa num só dia.
Ainda sobre as novas obrigações de serviço público no transporte aéreo, V.ª Ex.ª saberá melhor do que eu o impacto que a vinda das companhias aéreas low-cost tem tido no crescimento do número de passageiros movimentados nos aeroportos açorianos, não apenas no único aeroporto açoriano escalado por estas companhias (Aeroporto João Paulo II, na ilha de São Miguel), mas também em todas as restantes ilhas devido ao encaminhamento gratuito de avião interilhas. Contudo, e para nova surpresa minha pela negativa, cheguei à conclusão de que, neste Inverno IATA, os picarotos e quem visita a ilha montanha não podem usufruir das companhias aéreas low-cost em inúmeras situações, como demonstro na tabela seguinte.
Como é possível observar, em 5 das 14 situações apresentadas existem limitações, ou seja, em mais de um terço das vezes não é possível tirar partido das companhias aéreas low-cost para quem parte ou chega à ilha do Pico e pretende viajar num só dia, sendo esta impossibilidade mais premente para as pessoas que têm como destino a ilha montanha.
Estando eu habituado a lidar com números e a detetar tendências diariamente na minha atividade profissional, decidi investigar que impacto têm tido estas conclusões a que cheguei nas estatísticas dos passageiros movimentados no aeroporto da ilha do Pico. Assim, consultei os dados do Serviço Regional de Estatística dos Açores relativos aos transportes aéreos, comparei a variação entre 2014 e 2015 dos passageiros embarcados e desembarcados nos voos interilhas para todas as ilhas açorianas desde que que entrou em vigor o horário deste Inverno IATA e, para mais uma surpresa minha pela negativa e que corrobora o ditado popular "não há duas sem três", os números observados para a ilha montanha destoam claramente do resto do arquipélago, como se pode observar na tabela seguinte.
As estatísticas mostram que, considerando os meses de novembro e dezembro, a ilha do Pico foi a única dos Açores onde o número de passageiros desembarcados nos voos interilhas diminuiu em 2015 face ao ano anterior. Por outras palavras, a tendência é clara: os horários dos voos interilhas que servem o aeroporto da ilha do Pico neste Inverno IATA fazem com que as pessoas embarquem por este aeroporto mas prefiram não o utilizar para chegar à ilha montanha. E porquê? Respostas plausíveis podem ser dadas pelas conclusões supramencionadas, ou seja, de segunda a quinta-feira não é possível recorrer a companhias aéreas low-cost para quem quer chegar num só dia à ilha do Pico partindo de Lisboa, sendo de todo impossível chegar às terças e quintas-feiras mesmo recorrendo às companhias aéreas tradicionais. É também minha convicção de que uma incorreta interpretação destas estatísticas pode vir a desvirtuar futuros ajustes ao serviço aéreo regular interilhas: se se julgar que estão a viajar menos pessoas para a ilha do Pico, podem vir a ser retirados voos, quando na verdade o que está a acontecer é que os passageiros com destino à ilha montanha estão a desembarcar noutro aeroporto mais próximo, não contribuindo para as estatísticas da ilha do Pico, apesar de ser este o destino final.
Termino, Senhor Secretário, fazendo votos para que, à semelhança do que fez no passado para outras ilhas açorianas, V.ª Ex.ª dê instruções à transportadora aérea regional para efetuar alterações no horário de inverno atualmente em vigor, não só para que esta companhia cumpra as obrigações de serviço público, mas também para que os habitantes e os visitantes da ilha do Pico sejam melhor servidos.
Haja saúde!
Post scriptum: Esta carta aberta foi enviada para o correio eletrónico da Secretaria Regional do Turismo e Transportes, bem como via formulário eletrónico de contacto do Governo Regional, sendo estes os contactos que estão disponíveis na página oficial do Governo Regional dos Açores. Adicionalmente, esta carta aberta foi publicada na íntegra na edição n.º 40.877 do 'Diário dos Açores', de 12 de janeiro de 2016, tendo sido também mencionada na edição n.º 21.699 do 'Diário Insular', de 12 de janeiro de 2016 - neste último jornal é dito que "a secretaria regional do Turismo e Transportes garante ir analisar a situação e, se for verificado incumprimento, dar orientações à concessionária para colmatar a falha". Esta carta aberta deu os seus frutos, pois no dia seguinte à sua divulgação foi conhecido que o aeroporto da ilha do Pico vai passar a contar mais mais dois voos interilhas por semana, mais concretamente às terças e quintas-feiras à tarde [link para mais informações], sendo que este resultado foi também noticiado a 14 de janeiro de 2016 no 'Diário dos Açores', edição n.º 40.879]. Em 15 de janeiro de 2016, esta missiva e o sucesso alcançado pela mesma foram também notícia nos semanários picoenses 'Jornal do Pico', edição n.º 611, e 'Ilha Maior', edição n.º 1.152, tendo igualmente gerado nova notícia no 'Diário Insular', edição n.º 21.702.
Excelente análise. A ver vamos se a coisa se (re)compõe.
ResponderEliminarObrigado! Esperemos que sim, que o Pico volte a ter horários dignos nos aviões ou que, pelo menos, cumpram as obrigações de serviço público.
EliminarBem, a resposta prática não se fez esperar ! Parabéns Ivo, mais uma vez, pela iniciativa.
ResponderEliminarObrigado!
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