Um grupo de empresários apresentou recentemente um projeto de construção de um novo hotel na ilha do Pico, projeto este orçado em 6 milhões de euros.
Segundo o que foi dado a conhecer publicamente através da comunicação social, pretende-se construir uma unidade hoteleira de 4 estrelas na zona da
Areia Larga, na Madalena, a qual prevê 83 quartos, um SPA, uma área comercial e uma sala para conferências e eventos, sendo a forma do edifício baseada nos
maroiços.
As principais atrações deste hipotético futuro hotel resultam da sua localização privilegiada em plena
Paisagem da Cultura da Vinha da ilha do Pico, com uma vista magnífica para:
- As vinhas classificadas pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade;
- A montanha do Pico;
- A ilha do Faial.
O projeto para a construção da nova unidade hoteleira foi já entregue na Câmara Municipal da Madalena, a qual está agora a analisar o documento e a solicitar pareceres a várias entidades públicas, com vista à sua aprovação e eventual financiamento.
Por outro lado, e desde que foi conhecida a intenção de edificar um hotel em plena Paisagem da Cultura da Vinha da ilha do Pico, algumas vozes têm emitido opiniões desfavoráveis à concretização deste projeto, invocando sobretudo o desenquadramento na paisagem e a eventual destruição de património mundial; inclusivamente, encontra-se a decorrer uma petição pública intitulada "
A Ilha do Pico não é para ser destruída".
De forma a perceber tudo o que está em causa, impõe-se então uma análise contextual das leis atualmente em vigor e quais as condicionantes que se aplicam à construção desta nova unidade hoteleira. Assim, apresenta-se de seguida um parecer sobre este projeto, o qual é baseado apenas e só nas informações divulgadas publicamente, mas que, no entanto, permite responder a algumas questões concretas.
O primeiro instrumento legal que deve ser consultado é o
Plano de Ordenamento da Paisagem Protegida da Cultura da Vinha da Ilha do Pico (abreviado por POPPVIP e cuja versão mais recente se encontra plasmada no
Decreto Regulamentar Regional n.º 7/2014/A, de 6 de maio) — este plano foi elaborado visando a salvaguarda dos valores ambientais, de paisagem, de conservação da biodiversidade e de fomento ao desenvolvimento sustentável da ilha do Pico, tendo como objetivos estratégicos a recuperação, reabilitação e conservação da paisagem da cultura tradicional da vinha do Pico em currais, a promoção do crescimento da atividade vitivinícola, o incentivo da complementaridade com o turismo e outras atividades económicas, e a promoção de uma gestão integrada da área de Paisagem Protegida.
O POPPVIP apresenta uma série de condicionantes, as quais dependem da localização específica do objeto em análise. Assim, é necessário identificar com clareza onde se pretende construir o novo hotel. Através do cruzamento das imagens do projeto com os mapas de condicionantes (o
Sistema Regional de Informação Territorial apresenta-se como a ferramenta ideal para este tipo de cruzamento de informações), é possível concluir que a hipotética futura unidade hoteleira ficará situada numa área denominada "Espaços Agrícolas de Proteção Elevada — Zona C".
Segundo o artigo 50.º do POPPVIP, um espaço agrícola na zona C constitui uma "área tampão da área de proteção muito elevada, onde o uso e a transformação do uso do solo são condicionados a esta função de proteção às zonas B e C". Por outras palavras, pretende-se edificar o hotel na área tampão (área constituída pelas zonas C e D) da área Património Mundial da UNESCO (área constituída pelas zonas A e B).
O POPPVIP apresenta também os parâmetros urbanísticos que devem ser seguidos em cada zona. No caso particular dos "Espaços Agrícolas de Proteção Elevada — Zona C", o artigo 56.º do POPPVIP indica o seguinte:
1 — Nos Espaços Agrícolas de Proteção Elevada — Zona C, as edificações devem cumprir com os seguintes parâmetros urbanísticos:
a) Índice de construção — 0,04;
b) Índice de implantação — 0,04;
c) Índice de impermeabilização — 1,3 da área de implantação;
d) Área máxima de construção — 237 m²;
e) Nas parcelas com dimensão entre 1.000 m² e 2.500 m² é permitida a construção de 52 m²;
f) Volumetria — edificações adossadas ou isoladas, com 70 m² por bloco, admitindo-se:
i) 75m²/bloco no caso de armazéns, em parcelas de dimensão inferior a 7.000 m²;
ii) 100m²/bloco no caso de armazéns, em parcelas de dimensão superior a 7.000 m².
g) Comprimento máximo das empenas:
i) 5 m para parcelas com dimensão inferior a 2.500 m²;
ii) 6,5 m para parcelas com dimensão entre 2.500 m²e 5.000 m²;
iii) 8 m para parcelas com área superior a 5.000 m².
h) Número máximo de pisos — um, sendo admitido dois pisos quando a inclinação do terreno o permitir, não podendo o piso inferior exceder 30 % da área bruta construída;
i) Cércea máxima de 2,8 m, admitindo-se 3,5 m no caso de armazéns;
j) Implantação de edifício consoante a topografia e orientação da parcela, respeitando os alinhamentos de muros existentes e a paisagem envolvente, com afastamento mínimo de 3 m das extremas.
2 — As construções referidas no número anterior estão, ainda, sujeitas às seguintes características:
a) Coberturas de duas águas com a inclinação máxima de 23°, revestidas no canal e cobrideira a telha cerâmica de canudo. Excecionalmente, pode ser admitida a utilização de telha de aba e canudo e telha de argila e cimento ondulada, na cor da telha tradicional;
b) Paramentos exteriores de alvenaria irregular de basalto aparente, formando parede, ou alvenaria rebocada, com acabamento areado fino ou liso, pintada a tinta de água ou caiada na cor branca;
c) Beirados executados com fiada simples de telha respeitando os remates tradicionais;
d) Alpendres abertos na continuação do plano de cobertura obedecendo ao desenho tradicional, construídos em madeira, ou betão armado rebocado e pintado, desde que a dimensão máxima da secção dos elementos estruturais não ultrapasse 15 cm, pintados na cor branca, verde-escura, vermelha, damasco, cinzenta ou castanha;
e) Guarda-corpos opacos nos mesmos materiais utilizados nos paramentos exteriores;
f) Chaminés não originando planos autónomos de fachada, rebocadas e pintadas ou caiadas a tinta de água de cor branca ou cinzenta, ou alvenaria irregular de basalto aparente;
g) Janelas nas proporções e tipologias tradicionais, em madeira pintada na cor branca, verde-escura, vermelha, damasco, cinzenta ou castanha, sendo admitido o alumínio termo lacado ou o PVC em janelas nas mesmas cores;
h) Vãos com a largura máxima de 1,1 m, sendo admitidas outras dimensões, desde que daí não resultem inconvenientes de ordem plástica para o edifício e não se comprometa o equilíbrio arquitetónico da zona, admitindo-se uma largura máxima de 3,5 m no caso de portas de garagem e portões;
i) Portas e portões de madeira pintada na cor branca, verde-escura, vermelha, damasco, cinzenta ou castanha, de uma a quatro folhas de abrir;
j) Janelas de peito de guilhotina;
k) Obscurecimento através de portadas de madeira, alumínio termo lacado ou PVC, na cor branca, verde-escura, vermelha, damasco, cinzenta ou castanha. Admitem-se gelosias do tipo “veneziana”, desde que daí não resultem inconvenientes de ordem plástica para o edifício e se não comprometa o equilíbrio arquitetónico da zona;
l) Cisternas de acordo com a tipologia tradicional, térreas e contíguas à edificação;
m) Cisternas em alvenaria irregular de basalto aparente, ou alvenaria rebocada, com acabamento areado fino ou liso, pintada a tinta de água ou caiada na cor branca;
n) Contadores em fachadas ou muros, com ou sem visor, em madeira pintada na cor branca, verde-escura, vermelha, castanha, damasco ou cinzenta;
o) Pérgola ou latada em madeira pintada na cor branca, verde-escura, vermelha, castanha, damasco ou cinzenta.
Como é possível observar, a lista de condicionalismos urbanísticos é extensa e detalhada. Cruzando estas condicionantes novamente com as as imagens do projeto, a conclusão a que se chega é que a hipotética futura unidade hoteleira não cumpre vários requisitos — a título de exemplo, e segundo o ponto 1-
h), o número máximo de pisos pode chegar até dois e o projeto do novo hotel apresenta quatro.
Contudo, o POPPVIP contempla ações de relevante interesse público, mais concretamente no artigo 13.º:
1 — Na área de intervenção do POPPVIP, com exceção dos Espaços Agrícolas de Proteção Total — Zona A, e desde que não se coloque em causa os pressupostos que levaram à classificação da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico como área protegida e como património mundial, podem ser realizadas ações de relevante interesse público que sejam reconhecidas como tal por Resolução do Conselho do Governo Regional.
2 — A Resolução referida no número anterior pode estabelecer, quando necessário, condicionamentos e medidas de minimização de afetação para execução de ações na área de intervenção do POPPVIP.
Por outras palavras, o Conselho do Governo Regional pode emitir uma resolução a indicar que o projeto do novo hotel é de relevante interesse público, o que permitiria a sua execução sem entrar em conflito com os condicionalismos urbanísticos elencados anteriormente.
Resumindo tudo o que foi mencionado neste parecer, algumas questões podem ser imediatamente respondidas:
- O hipotético novo hotel está projetado para ser edificado dentro ou fora da zona património mundial? Apesar de a localização da unidade hoteleira em questão se situar dentro de uma zona protegida da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, essa zona é a denominada "zona tampão", ou seja, não é diretamente zona património mundial mas sim a zona que faz fronteira com esta última.
- As leis atuais impedem automaticamente a concretização do projeto do novo hotel? Não, pois isso só ocorre em certas zonas consideradas de "protecção total", sendo que a unidade hoteleira em questão está projetada para se situar numa zona de "proteção elevada".
- O que pode impedir que este projeto não veja a luz do dia? Para além de todos os trâmites legais associados a um qualquer licenciamento para construção, o hipotético novo hotel necessita de uma autorização adicional e específica que só pode ser dada por resolução do Conselho do Governo Regional, resolução esta que tem de ter como pressuposto base que nunca pode estar em causa a classificação da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico como área protegida e como património mundial.
Por fim, e como parecer pessoal, o mais importante será sempre sentir que a essência de um qualquer património deixado pelos nossos antepassados é preservada — isto não significa que o mesmo não possa ser tocado, mas sim que qualquer introdução ou remoção feita a esse património não o desvirtua, ou seja, que tudo pareça sempre no sítio certo e que nada pareça que não faz parte desse lugar. Dito isto, as imagens conhecidas do projeto do novo hotel mostram grandes áreas com tonalidades brancas ou muito claras, o que claramente não é característico daquela paisagem, destacando-se assim de uma forma não natural; por outro lado, e a título de exemplo, se o número de pisos fosse reduzido, se houvesse um revestimento com pedra basáltica e se fosse adicionada telha tradicional ao topo da unidade hoteleira, provavelmente o enquadramento paisagístico seria muito melhor — estas são apenas algumas sugestões e, porventura, muitas mais poderiam ser dadas pela sociedade civil, caso lhes seja dada a oportunidade de uma consulta pública a um empreendimento que necessita de uma autorização especial dada pelo Governo Regional, consulta pública esta que também permitiria evitar situações como a que ocorreu com um
Armazém Património Mundial...
Haja saúde!