sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Impacto do encerramento da Cofaco na ilha do Pico


O início deste ano de 2018 está a ser fértil em acontecimentos que colocam a ilha do Pico nas manchetes dos orgãos de comunicação social: o navio "Mestre Simão" encalhou na Madalena, um bebé picaroto nasceu a meio do canal Pico/Faial e a conserveira Cofaco anunciou o despedimento de todos os trabalhadores da sua fábrica na ilha montanha.

Os dois primeiros eventos têm naturalmente um maior impacto mediático, devido à sua imprevisibilidade. Além disso, a falta de um navio que tinha maior conforto, com maior capacidade para passageiros e possibilidade de transporte de viaturas, evidentemente que provoca um potencial desequilíbrio na economia do "Triângulo", pese embora os "velhinhos" cruzeiros já tenham entrado em ação para tentar minimizar ao máximo este infortúnio. No entanto, importa analisar com algum detalhe o impacto que o encerramento da Cofaco tem para a ilha do Pico.

A marca 'Bom Petisco' é a face mais visível do resultado da laboração da Cofaco, uma empresa que se instalou na ilha montanha em 1963 e que detém outra fábrica, localizada na ilha de São Miguel, a qual concentra grande parte da sua produção. Aliás, a Cofaco é o maior empregador industrial no arquipélago dos Açores, com um peso muito importante no PIB da região.

Se a Cofaco é muito importante para a economia dos Açores, o seu impacto no Pico é extremamente significativo. Para além dos 162 postos de trabalho que serão extintos a partir de abril, existem inúmeras outras atividades indiretas que serão afetadas, bem como as exportações a partir da ilha montanha sofrerão uma queda notória. O fator sociocultural também não deve ser esquecido: na década de 1970, os bailes e as iniciativas recreativas na Madalena eram feitos no salão da fábrica da Cofaco, bem como a famosa "bifana de albacora", sempre presente nas festas da ilha do Pico, foi amplamente potenciada pelos donativos feitos por esta fábrica.

Analisando de um ponto de vista estatístico, os empregos diretos garantidos pela Cofaco no Pico representam 3% da população ativa desta ilha (6% se for considerado apenas o concelho da Madalena). Por outras palavras, o despedimento coletivo do maior empregador privado da ilha do Pico irá ter como consequência imediata o aumento drástico da taxa de desemprego nesta ilha, literalmente de um dia para o outro!

O Governo Regional já afirmou que existe uma candidatura da Cofaco a apoios comunitários para a construção de uma nova unidade fabril na ilha do Pico, candidatura esta que deu entrada a 20 de dezembro de 2017. No entanto, e até a obra ver a luz do dia, é natural que os trabalhadores, famílias e picarotos em geral fiquem apreensivos quanto a (1) se a nova fábrica vai mesmo ser construída e (2) se os trabalhadores serão reintegrados na nova unidade industrial (a qual tem um prazo de execução de 18 meses). Adicionalmente, a solidariedade para com a Cofaco do Pico até chega de São Miguel, mais concretamente através dos trabalhadores da outra fábrica da Cofaco, os quais admitem fazer greve devido a este despedimento coletivo dos seus colegas da ilha montanha.

Entretanto, e devido a este "início de ano dramático" vivido na ilha montanha, a Associação Comercial e Industrial da Ilha do Pico veio sugerir às entidades competentes, nomeadamente ao Governo Regional dos Açores, que seja criado um plano de revitalização económica ou, pelo menos, uma tomada de medidas e iniciativas extraordinárias para a ilha montanha. A verdade é que o planeamento das ligações aéreas e marítimas para o Pico ao longo dos recentes anos não tem sido satisfatório quando comparado com a tremendo aumento do turismo verificado nesta ilha. Por outro lado, alguns investimentos poderiam efetivamente alavancar a economia da ilha montanha, mas os mesmos tardam em se realizar: embora o Aeroporto da ilha do Pico se prepara para ter grooving, a ampliação da sua pista não terá lugar num futuro próximo; outro exemplo é o projeto do novo terminal de passageiros em São Roque do Pico, o qual continua sem data para arrancar.

Em suma, o "Homem do Pico" vai continuar a fazer jus ao seu passado, lutando contra as vicissitudes e dureza acrescida que a vida na ilha montanha acarreta — quem já teve uma gigantesca epopeia na transformação da paisagem do Pico em proveito da sua própria sobrevivência, sendo exemplos a vinha ou os poços de maré, ou quem já foi definido como "o único açoriano que é ao mesmo tempo agricultor e marítimo; no mar às vezes é herói", certamente irá conseguir dar a volta por cima e superar estas novas adversidades!

Por fim, todos aqueles que quiserem contribuir e ajudar os picarotos podem, por exemplo, (re)visitar a ilha do Pico e (tornar a) provar as suas "bifanas de albacora"!

Haja saúde!

Post scriptum: Uma análise aos dados do Serviço Regional de Estatística dos Açores relativos à pesca descarregada permite concluir o seguinte sobre a principal matéria prima transformada na fábrica da Cofaco:
  • O Pico recebe 77% do bonito gaiado descarregado nos Açores;
  • Esta espécie representa 69% do total do peixe descarregado no Pico e 12% de todo o peixe descarregado nos Açores;
Deste modo, é fácil inferir que todo o pessoal afeto à logística associada ao descarregar, transporte, etc. do peixe no Pico também irá ser indireta mas significativamente afetado pelo fecho desta unidade fabril, impacto este que tem também alguma expressividade a nível Açores!

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Ex-trabalhadores da Cofaco não param de lutar pelos seus direitos |
Governo dos Açores queixa-se de falta de resposta da República sobre ex-trabalhadores da Cofaco ]


Post post scriptum: 'Abandono ou substituição, eis a questão (sobre a Cofaco no Pico) daqueles que de promessas fartos estão'

Post post post scriptum: 'Substituta da Cofaco à vista!'

Post post post post scriptum: '[Finalmente] Conselho de Ministros aprova majoração de apoios a ex-trabalhadores da Cofaco'






5 comentários:

  1. Uma empresa com este peso e dimensão, não pode simplesmente dispensar funcionários como um produto descartável...o governo tem de intervir e fazer pressão em nome dos trabalhadores!! Essa gente precisa de respostas! Precisam de decidir os seu futuro e dos seus familiares...já!! Imediatamente!! PRONTO!!

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  2. Muito obrigado, Álvaro, não só pelas palavras, mas também pela partilha do teu excelente artigo.
    Haja saúde!

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  3. Bom dia Ivo,

    Mais um artigo muito pertinente, parabéns!

    Se me permitires deixo-te um artigo de opinião sobre o mesmo tema!

    http://1641kmopiniao.blogspot.pt/2018/01/balanca-descalibrada.html?m=1

    Um abraço
    Álvaro

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  4. Qual é o espanto pelo encerramento da fábrica da Cofaco no Pico? O atum hoje em dia é quase todo pescado e descarregado na Madeira. O atum "desapareceu" dos Açores, ou será que ninguém ainda se deu conta disso? Alguém já se pôs a consultar o marinetraffic a partir da primavera e a ver as dezenas de atuneiros em volta da Madeira, Porto Santo, etc que lá pescam? São dezenas! Todos os anos têm sido batidos recordes da apanha do atum na Madeira. Fábricas como a Ilhapeixe têm exportado toneladas de atum! O meu espanto não é pelo encerramento da fábrica no Pico. O meu espanto é como é que a Cofaco ainda não abriu uma fábrica na Madeira, na zona franca do Caniçal! Esse é que é o meu espanto! É lá que está hoje em dia a matéria prima!

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  5. Portanto em sua opinião a ilha mais rica deveria ficar ainda mais rica à custa da mais pobre, certo ? Será que não consegue ver para além da viseira capitalista ? Mas retomando o seu argumento pergunto então porque razão as refinarias não são construídas junto dos poços de petróleo? E porque razão se refina açúcar a milhares de Km das plantações de cana ? E porque razão se criam porcos no Alentejo para se fazer presunto em Espanha ? E porque raio se pesca bacalhau na Terra Nova para ser seco em Coimbra ?

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