O Serviço Regional de Estatística dos Açores divulgou recentemente os dados relativos ao transporte aéreo que permitem fazer uma análise a todo o ano de 2017. As estatísticas mostram que continua a haver um crescimento dos passageiros aéreos de e para todas as ilhas açorianas, o qual atingiu 18,4% como valor médio.
Analisando com mais detalhe, verifica-se que apenas a ilha de São Miguel registou um crescimento acima da média regional (23,0%). Por outras palavras, existe um claro desequilíbrio face ao restante arquipélago, o que pode ser resultado de uma maior procura deste destino em relação às restantes ilhas e/ou devido ao uso do respetivo aeroporto como principal porta de entrada dos Açores, sobretudo atendendo aos voos internacionais e low cost.
Existe um outro fator que pode igualmente estar a contribuir para o acentuar da diferença entre a ilha de São Miguel e as restantes no que toca ao crescimento aéreo: apesar de existirem encaminhamentos gratuitos interilhas para quem parte do território nacional e tem de fazer escala numa ilha que não a do destino final, o mesmo não se aplica quando o passageiro é proveniente do estrangeiro. Dito de outra forma, quem voe entre o Continente ou a Madeira e São Miguel, consegue chegar depois a outra ilha sem qualquer custo adicional, mas quem voe de Londres para São Miguel, por exemplo, tem de desembolsar mais dinheiro para conseguir chegar a outra ilha. Esta situação desincentiva a visita de muitos turistas a outros pontos da região — sobretudo quando, por exemplo, o preço de um voo low cost Londres/Ponta Delgada/Londres atinge os 50 € e um interilhas ronda os 175 € para não residentes — criando assim uma dupla insularidade, a qual faz com que nem todas as ilhas e respetivas economias beneficiem de igual forma das acessibilidades ao exterior da região.
Analisando de novo os números regionais do transporte aéreo em 2017, a ilha do Pico foi a que registou o menor crescimento percentual face a 2016 (1,4%). Notando mais uma vez que todas a ilhas cresceram em termos de passageiros aéreos, a questão que se põe é: porque cresceu a ilha montanha bastante menos do que as outras, quando em 2016 foi a que registou o maior crescimento a nível Açores? A resposta mais imediata seria afirmar que o destino Pico está a atingir um ponto de saturação, isto é, que a procura está a crescer mas a um ritmo mais lento. Contudo, esta saturação pode ser artificial, como se demonstra de seguida.
Em primeiro lugar, a ilha do Pico desempenha atualmente um papel crucial no acesso às ilhas do "Triângulo", o qual é comprovado pelas estatísticas: somando os passageiros aéreos de e para o Pico, Faial e São Jorge, o crescimento percentual obtido (5,8%) é, mesmo assim, inferior a qualquer outra ilha, excepto o Pico. Por outras palavras, se a ilha montanha não cresce, o "Triângulo" regista logo uma quebra significativa.
Mas então, quais foram as razões que levaram ao crescimento anémico registado no Pico? A resposta é dada por várias situações registadas em 2017:
- No início da época alta, quase metade dos dias (45%) com voos totalmente esgotados nos Açores foram registados na ilha do Pico, gerando assim um novo tipo de "isolamento" da ilha montanha sem paralelo na região;
- Por outro lado, as simulações de viagens no "pico" do verão mostraram que as viagens aéreas para o Pico estavam mais caras quando comparadas com destinos vizinhos;
- As estatísticas de julho 2017 mostraram que foram oferecidos menos lugares nos voos para a ilha do Pico do que os passageiros desembarcados em julho de 2016, ou seja, por mais que crescesse a lotação nos voos, as estatísticas diriam sempre que os passageiros decrescem, dando assim origem a um "crescimento negativo";
- A situação anterior, um tanto ou quanto paradoxal, atingiu o cúmulo em agosto, onde voos com taxas de ocupação de 100% originaram um decréscimo nos passageiros transportados para a ilha montanha;
- Mais recentemente, o Pico voltou a registar, durante a época natalícia, menos voos disponíveis do que qualquer outra ilha dos Açores.
Adicionalmente, e quando comparado com 2016, o Pico deixou de contar com a ligação da TUI proveniente de Amesterdão, a qual tinha contribuído com 1.300 passageiros. Mais ainda, a ilha montanha registou, em 2017, menos 10 rotações com Lisboa do que no ano imediatamente anterior, o que implicou uma redução de 3.300 lugares oferecidos numa rota sujeita a obrigações de serviço público que se têm revelado completamente subdimensionadas face à realidade observada na ilha montanha.
Com tantas vicissitudes em 2017, nomeadamente uma oferta aérea para o Pico que não esteve ajustada à procura e por ter sido a ilha mais prejudicada no contexto regional em plena época alta, por incrível que possa parecer, a ilha do Pico ainda conseguiu registar um crescimento positivo no total anual dos passageiros aéreos transportados de e para a ilha montanha!
Uma justificação para ter havido este crescimento no Pico, apesar de ter sido uma ilha bastante castigada nos critérios de igualdade de mobilidade aérea em relação a outras ilhas, pode estar relacionada com o movimento médio de passageiros por voo. Calculando esta estatística, tendo em consideração a soma dos embarques e dos desembarques, e sem contar com os passageiros em trânsito, verifica-se que, em 2017, os voos para a ilha montanha geraram o terceiro maior movimento médio de passageiros no arquipélago (115 passageiros), apenas superado pelas ilhas Terceira (116) e São Miguel (192) — ilhas onde conseguem operar aviões com capacidade para mais passageiros do que no caso do Pico.
Em suma, os aviões que servem o Pico ou estão quase cheios, ou então estão mesmo esgotados, o que significa que para haver um maior crescimento de passageiros aéreos para este destino, só se houver mais voos e maior disponibilidade de lugares para a ilha montanha!
Haja saúde!
Post scriptum: Este artigo foi igualmente publicado na edição n.º 41.480 do 'Diário dos Açores', de 26 de janeiro de 2018.
Gostaria de deixar um comentário de apreço pela qualidade da análise e argumentos aqui apresentados: sem dúvida, um grande leque de justificações bem fundamentadas e extremamente plausíveis a acompanhar as estatísticas apresentadas.
ResponderEliminarAdiciono já que me revejo pessoalmente em algumas das situações condicionantes já que viajo do estrangeiro e sou diretamente afetado pela situação complexa de transportes-ligações.
Vou só adicionar que, em adição às condições/eventos relevantes ao Pico, se deveriam juntar as condições/eventos associadas a outras ilhas de interesse para comparação, como S. Miguel, Faial e possivelmente Terceira (porque são diretamente relevantes para as ligações inter-ilhas).
Espero que as autoridades competentes considerem as várias métricas para tomarem o melhor tipo de decisões, ao invés de uma estatística específica (que sabemos bem, pode ser sempre "bem escolhida").
Obrigado, Álvaro!
ResponderEliminarHaja saúde!
Obrigado pelo comentário, Pedro!
ResponderEliminarHaja saúde!
Ivo, muitos parabéns por mais esta análise!
ResponderEliminarDeixo aqui com a tua permissão o estudo publicado no blog 1641 km opinião sobre a evolução dos aeroportos do triângulo.
https://1641kmopiniao.blogspot.pt/2018/01/aeroporto-do-pico-cresceu-117-no-numero.html?m=1
Um abraço
Álvaro