quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Transporte aéreo nos Açores — análise ao ano de 2017


O Serviço Regional de Estatística dos Açores divulgou recentemente os dados relativos ao transporte aéreo que permitem fazer uma análise a todo o ano de 2017. As estatísticas mostram que continua a haver um crescimento dos passageiros aéreos de e para todas as ilhas açorianas, o qual atingiu 18,4% como valor médio.


Analisando com mais detalhe, verifica-se que apenas a ilha de São Miguel registou um crescimento acima da média regional (23,0%). Por outras palavras, existe um claro desequilíbrio face ao restante arquipélago, o que pode ser resultado de uma maior procura deste destino em relação às restantes ilhas e/ou devido ao uso do respetivo aeroporto como principal porta de entrada dos Açores, sobretudo atendendo aos voos internacionais e low cost.

Existe um outro fator que pode igualmente estar a contribuir para o acentuar da diferença entre a ilha de São Miguel e as restantes no que toca ao crescimento aéreo: apesar de existirem encaminhamentos gratuitos interilhas para quem parte do território nacional e tem de fazer escala numa ilha que não a do destino final, o mesmo não se aplica quando o passageiro é proveniente do estrangeiro. Dito de outra forma, quem voe entre o Continente ou a Madeira e São Miguel, consegue chegar depois a outra ilha sem qualquer custo adicional, mas quem voe de Londres para São Miguel, por exemplo, tem de desembolsar mais dinheiro para conseguir chegar a outra ilha. Esta situação desincentiva a visita de muitos turistas a outros pontos da região — sobretudo quando, por exemplo, o preço de um voo low cost Londres/Ponta Delgada/Londres atinge os 50 € e um interilhas ronda os 175 € para não residentes — criando assim uma dupla insularidade, a qual faz com que nem todas as ilhas e respetivas economias beneficiem de igual forma das acessibilidades ao exterior da região.

Analisando de novo os números regionais do transporte aéreo em 2017, a ilha do Pico foi a que registou o menor crescimento percentual face a 2016 (1,4%). Notando mais uma vez que todas a ilhas cresceram em termos de passageiros aéreos, a questão que se põe é: porque cresceu a ilha montanha bastante menos do que as outras, quando em 2016 foi a que registou o maior crescimento a nível Açores? A resposta mais imediata seria afirmar que o destino Pico está a atingir um ponto de saturação, isto é, que a procura está a crescer mas a um ritmo mais lento. Contudo, esta saturação pode ser artificial, como se demonstra de seguida.

Em primeiro lugar, a ilha do Pico desempenha atualmente um papel crucial no acesso às ilhas do "Triângulo", o qual é comprovado pelas estatísticas: somando os passageiros aéreos de e para o Pico, Faial e São Jorge, o crescimento percentual obtido (5,8%) é, mesmo assim, inferior a qualquer outra ilha, excepto o Pico. Por outras palavras, se a ilha montanha não cresce, o "Triângulo" regista logo uma quebra significativa.

Mas então, quais foram as razões que levaram ao crescimento anémico registado no Pico? A resposta é dada por várias situações registadas em 2017:
É justo também recordar que houve uma tentativa de minorar a falta de acessibilidades aéreas à ilha do Pico, nomeadamente através de um reforço de ligações interilhas em julho e agosto de 2017, o que significou um acréscimo de 2.400 lugares. Em todo o caso, este aumento de voos não só foi feito em "cima da hora" (com muito poucos dias de antecedência), não permitindo assim explorar todo o seu potencial, bem como todos os voos deste reforço foram efetuados com recurso ao avião mais pequeno da companhia aérea regional (Bombardier Q200, o qual tem capacidade para 37 passageiros).

Adicionalmente, e quando comparado com 2016, o Pico deixou de contar com a ligação da TUI proveniente de Amesterdão, a qual tinha contribuído com 1.300 passageiros. Mais ainda, a ilha montanha registou, em 2017, menos 10 rotações com Lisboa do que no ano imediatamente anterior, o que implicou uma redução de 3.300 lugares oferecidos numa rota sujeita a obrigações de serviço público que se têm revelado completamente subdimensionadas face à realidade observada na ilha montanha.

Com tantas vicissitudes em 2017, nomeadamente uma oferta aérea para o Pico que não esteve ajustada à procura e por ter sido a ilha mais prejudicada no contexto regional em plena época alta, por incrível que possa parecer, a ilha do Pico ainda conseguiu registar um crescimento positivo no total anual dos passageiros aéreos transportados de e para a ilha montanha!

Uma justificação para ter havido este crescimento no Pico, apesar de ter sido uma ilha bastante castigada nos critérios de igualdade de mobilidade aérea em relação a outras ilhas, pode estar relacionada com o movimento médio de passageiros por voo. Calculando esta estatística, tendo em consideração a soma dos embarques e dos desembarques, e sem contar com os passageiros em trânsito, verifica-se que, em 2017, os voos para a ilha montanha geraram o terceiro maior movimento médio de passageiros no arquipélago (115 passageiros), apenas superado pelas ilhas Terceira (116) e São Miguel (192) — ilhas onde conseguem operar aviões com capacidade para mais passageiros do que no caso do Pico.


Em suma, os aviões que servem o Pico ou estão quase cheios, ou então estão mesmo esgotados, o que significa que para haver um maior crescimento de passageiros aéreos para este destino, só se houver mais voos e maior disponibilidade de lugares para a ilha montanha!

Haja saúde!

Post scriptum: Este artigo foi igualmente publicado na edição n.º 41.480 do 'Diário dos Açores', de 26 de janeiro de 2018.