sexta-feira, 18 de maio de 2018

Pico — uma montanha de promessas


Com os seus 2351 metros de altitude, a montanha da ilha do Pico é o ponto mais alto de Portugal. Mas, para além disso, como chegar ao seu topo requer um esforço físico médio/elevado — o trilho tem uma extensão total de cerca de 7600 m (3800 m desde a base até ao cume) e um desnível de 1100 m — esta montanha é frequentemente palco de pagamento de promessas através da respetiva subida (e descida).

Recentemente, o estratovulcão da ilha do Pico serviu para este mesmo efeito, mais concretamente para o pagamento de uma das promessas mais públicas de sempre a envolver a montanha mais alta de Portugal: o presidente do Clube Desportivo Santa Clara, sediado na ilha de São Miguel, tinha prometido que a respetiva equipa de futebol profissional, técnicos e dirigentes subiriam a montanha do Pico caso esta equipa do Santa Clara subisse à primeira divisão nacional, o que veio a ocorrer no início de maio de 2018.

Assim, no passado dia 16 de maio de 2018, vários elementos do Santa Clara cumpriram a sua palavra e subiram a montanha do Pico — a promessa ficou paga!

No entanto, o pagamento desta promessa implicou uma certa logística, a qual vale a pena ser analisada. Como se estar a falar de um clube sediado noutra ilha que não o Pico (mais concretamente a cerca de 300 km de distância), houve que assegurar o transporte — neste caso aéreo, para ser mais cómodo e rápido — entre São Miguel e o Pico. Mas, numa altura em que os voos estavam esgotados entre a maior ilha dos Açores e a mais alta de Portugal, eis que foram programados, de véspera, dois voos extraordinários Ponta Delgada / Pico / Ponta Delgada (um bem cedo e outro ao final da tarde), de forma a permitir, no mesmo dia, acordar em São Miguel, subir o Pico e regressar de novo a São Miguel!

Ora bem, não está em causa utilizar a montanha do Pico para o pagamento de promessas — aliás, esta iniciativa do Santa Clara é louvável e veio dar uma dimensão mais açoriana ao feito alcançado pela subida de divisão! A questão é que os picarotos sentiram que esta dimensão açoriana também poderia ter sido vivida como os habitantes da ilha do Pico a vivem durante a maioria do tempo: ter de ficar em lista de espera nos voos e não poder viajar nos dias pretendidos; ter de pernoitar noutra ilha quando não há possibilidade de ir e vir no mesmo dia (ou mesmo em situações de trânsito, seja interilhas ou para fora do arquipélago); e, finalmente, ter de passar por tudo isto sem que a maioria da população açoriana entenda esta dupla insularidade.

O Pico e os picarotos sabem bem receber; prova disso é que o Santa Clara foi "brindado" com uma montanha se apresentou maioritariamente descoberta, o dia estava magnífico e a experiência proporcionada por guias picarotos certamente ficará não só na memória dos atletas, técnicos e dirigentes, mas também na história dos Açores.

Por outro lado, os habitantes da ilha montanha, os quais são os principais responsáveis por garantir que existem as mais variadas condições no Pico para que se suba ao ponto mais alto de Portugal (deste transportes terrestres, alojamento, alimentação, etc.), registaram como se faz, por exemplo, para ir e vir no mesmo dia, até em dias de viagens esgotadas, caso tenham de se deslocar a um local fora da sua ilha de origem. Aliás, as primeiras sugestões de picarotos não se fizeram esperar, tais como a promessa de visitar o Algar do Carvão, quando for preciso ir ao Hospital de Angra do Heroísmo, ou a promessa de fazer o trilho da Lagoa do Fogo, quando for preciso ir ao Hospital de Ponta Delgada...

Em suma, ninguém se importa que a montanha do Pico seja palco de pagamento de promessas — é, de certa forma, uma outra forma de turismo — mas os picarotos também têm o direito de que a sua "montanha de promessas" relacionadas com o Pico — tais como melhores acessibilidades, melhores infraestruturas, melhores cuidados de saúde, etc. — seja também cumprida!

Haja saúde!

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