No seguimento dos contactos da nossa parte com o Governo Regional e a Administração do Grupo SATA, quer presencialmente, quer por comunicações por correio eletrónico, vimos mais uma vez (por via desta carta aberta) retomar o diálogo construtivo (que tem sido o nosso apanágio) tendo em vista a solução de diversos problemas que se verificam nas acessibilidades às ilhas do Triângulo a partir do exterior da Região.
Problema: cancelamentos de voos territoriais, por parte da SATA/Azores Airlines, para o Pico e para o Faial.
Cada voo cancelado, independentemente da respetiva causa, gera prejuízos não só para a companhia, mas também para os residentes e, sobretudo, para os empresários da área do turismo. A questão é que o impacto no Triângulo de um qualquer cancelamento, nomeadamente de voos vindo do exterior dos Açores para o Pico ou para o Faial, é muito elevado por duas razões: falta de alternativa e escassez de voos face à procura.
A par da apresentação de soluções, há um trabalho que tem de ser efetuado o quanto antes:
Qual o custo/impacto de um cancelamento na economia das ilhas do Triângulo (S.Jorge, Pico e Faial) e nas contas da SATA?
- Quanto deixa de faturar a hotelaria e a restauração, cujos respetivos impostos deixam de constituir receita da Região?
- Quanto custam as refeições, alojamento e indemnizações (se aplicável) aos passageiros afetados, valor este que tem de ser suportado pela SATA, ou seja, indiretamente estes gastos constituem uma despesa da Região?
Contabilizando tudo isto, pode-se chegar à conclusão de que mesmo as soluções mais caras eventualmente pagam-se a elas próprias.
— A título de exemplo, se um cancelamento afetar 250 passageiros (ex., 100 ida + 150 volta), e se for aplicável a indemnização compensatória de 400 € (ao abrigo do regulação europeia 261/2004), então são necessários 100.000 € só para suportar estas indemnizações; se houver uma média de 10 situações de cancelamento por ano com direito a indemnização (o que está em linha com o que se tem verificado recentemente no Pico e no Faial, atendendo aos cancelamentos por razões operacionais), em 15 anos, por exemplo, serão necessários cerca de 15 milhões de euros só para suportar indemnizações compensatórias!
Soluções a curto prazo para as rotas do Pico e do Faial com Lisboa
- Criação de um guião de procedimento interno da SATA/Azores Airlines aquando de um cancelamento: passos a tomar, como encaminhar os passageiros, como gerir recursos acessórios de forma eficiente (ex., refeições, transporte e alojamento, quer em Lisboa, quer nos Açores) — este guião deve ter em consideração a opinião dos trabalhadores que, no seu dia a dia, estão em contacto com os passageiros, percebem melhor os seus anseios e sentem também as suas dificuldades. [Nota: minimizar ao máximo a má experiência sentida pelo passageiro devido a um cancelamento é a melhor forma de tentar assegurar que ele volta a escolher a companhia para voar.]
- Sugestão 1: aquando de um cancelamento no Pico/Faial com encaminhamento para a ilha vizinha, entregar um panfleto (em português e inglês) a explicar, por passos, o que vai acontecer (ex., onde apanhar o autocarro, como levantar o bilhete de barco, onde levantar e deixar a bagagem de porão, tempos estimados de viagem, etc.) — isto permitiria demonstrar melhor a preparação e profissionalismo da SATA face a estas situações.
- Sugestão 2: aquando de um cancelamento em Lisboa, fornecimento de um número exclusivo de telefone de contacto para esclarecimento de dúvidas ou, em alternativa, disponibilização numa página online das informações relacionadas (ex., muitas vezes vai ser reposto um voo mas ainda não é conhecida a nova hora/dia aquando do cancelamento; assim os passageiros saberiam sempre qual a informação mais recente).
- Concentrar pilotos e frota Airbus A320 da SATA/Azores Airlines nas rotas do Pico e do Faial com Lisboa, através da transferência de outras rotas efetuadas por estas aeronaves para companhias de ACMI — rotas como Ponta Delgada/Porto, Ponta Delgada/Frankfurt ou Ponta Delgada/Cabo Verde podem ser efetuadas por empresas de ACMI, libertando aviões e recursos para servir melhor as ilhas do Triângulo (não só menos cancelamentos, mas também mais voos).
- A par da formação já em curso de mais pilotos para a SATA/Azores Airlines que podem operar no Pico e no Faial, aferir que outras tripulações técnicas podem operar nestes aeroportos e se, eventualmente, pertencem atualmente a quadros de companhias de ACMI, podendo assim contribuir mais rapidamente para uma solução. Além disso, pode-se ponderar qual o custo/benefício de a própria SATA promover a certificação de pilotos externos, nomeadamente os pertencentes aos quadros de empresas de ACMI. [Nota: apesar de a SATA/Azores Airlines operar em exclusivo no Pico e no Faial, no passado recente também já operou a TAP e a TUI, sendo que os respetivos pilotos podem ter trocado de companhia no entretanto.]
Soluções a médio prazo para as rotas do Pico e do Faial com Lisboa
- Flexibilização ou liberalização das rotas Lisboa/Pico/Lisboa e Lisboa/Horta/Lisboa, de forma a criar uma maior atratividade para qualquer companhia aérea que queira explorar estas rotas, incluindo a SATA/Azores Airlines.
- Considerar uma flexibilização das Obrigações de Serviço Público (OSP), onde na época de maior procura (Verão IATA) o espaço aéreo estaria mais próximo das regras de mercado livre, podendo ser oferecidos benefícios/compensações para a(s) companhia(s) que opere(m) na época baixa (Inverno IATA).
- Em alternativa, considerar a liberalização total e acabar com as OSP, salvaguardando que o Governo Regional, acionista único da SATA, irá dar instruções para garantir um serviço mínimo adequado ao longo de todo o ano.
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Nota: existem alguns constrangimentos associados às OSP, tais como obrigação de cumprimento de certos horários, de os voos terem de ser efetuados em determinados dias da semana, não possibilidade de cancelar voos com muito baixa taxa de ocupação, existência de um valor máximo da tarifa para residentes, etc., os quais podem estar a penalizar a SATA/Azores Airlines e que seriam anulados com a flexibilização/liberalização das rotas Lisboa/Pico/Lisboa e Lisboa/Horta/Lisboa.
- Interligação entre o transporte aéreo e o marítimo.
- Procura constante no ajuste e otimização dos horários dos aviões com os horários do transporte marítimo de passageiros, de forma a tentar potenciar ao máximo que qualquer voo para uma gateway do Triângulo sirva todas as três ilhas que compõem esta zona do arquipélago.
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Nota: se os voos conseguirem servir as três ilhas do Triângulo ao mesmo tempo, então qualquer passageiro saberia que poderia chegar ao seu destino final por mais do que uma via, tornando os horários de voos para diferentes ilhas do Triângulo como verdadeiramente complementares e nunca concorrentes, o que é benéfico para todos (passageiros, companhias aéreas e empresas da área do turismo).
- Para além de reservas online no que concerne ao transporte marítimo de passageiros (já existente no website da SATA/Azores Airlines), criação de um canal de comunicação direto entre os aeroportos e as gares marítimas do Triângulo, de forma a otimizar as interligações.
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Poder-se-ia informar antecipadamente quantos pretendem utilizar outro meio de transporte, o que não só ajuda na gestão de recursos (ex., chegada simultânea de várias pessoas a um aeroporto vindos de um terminal marítimo, ou vice-versa), bem como poderia salvaguardar que a interligação não era perdida devido a atrasos na partida/chegada (ex., um navio poderia esperar alguns minutos — apenas 5 minutos poderiam ser o suficiente — para garantir que os passageiros chegam ao destino no horário pretendido).
- Implementação de medidas operacionais e outras (ex., legais) de forma a ser possível ter uma experiência mais agradável entre a origem e o destino final.
- Exemplificando, fazer o check-in com bagagem de porão no aeroporto de Lisboa e apenas levantar a mesma no Terminal Marítimo das Velas, ou ser automaticamente realocado num navio posterior caso um voo se atrase em demasia (semelhante ao que já acontece com o serviço “Lufthansa Express Rail”) seriam inovações e mais-valias que demonstrariam como os Açores podem estar na vanguarda do serviço aéreo/marítimo mundial.
Soluções a longo prazo para as rotas do Pico e do Faial com Lisboa
- Ampliar as pistas do Pico e do Faial, de forma assegurar a operação sem limitações de payload para as aeronaves das famílias Airbus A320 e Boeing 737.
- Esta é a única solução que também resolve outros problemas para além de falta de tripulação técnica, tais como penalizações que inviabilizam o transporte de carga e bagagem de todos os passageiros, ou mesmo alguns cancelamentos em dias de condições atmosféricas adversas.
- Possibilidade de operar no Pico e no Faial um maior leque de aviões, incluindo o Airbus A321neo atualmente já pertencente à frota da SATA/Azores Airlines, o que também aumenta a redundância e reduz drasticamente a falta de alternativas.
- Ao diminuir as limitações operacionais destas pistas, também seria mais facilitada a operação de qualquer piloto ou companhia aérea, eventualmente sem necessidade de certificação, o que facilitaria não só a gestão de recursos humanos, mas também a contratação de empresas de ACMI em caso de necessidade.
- Possibilidade de potenciar fluxos atuais e iniciar novas rotas através de operações sazonais ou voos charter (ex., voos diretos para o mercado da saudade), o que também libertaria lugares nas rotas inter-ilhas, beneficiando todo o arquipélago.
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Nota: como foi visto no início, apesar de esta solução de ampliação de pistas ser a mais onerosa, eventualmente ela paga-se a si própria.
- Em alternativa à ampliação, criação de uma base especial da SATA em Lisboa, com (pelo menos) um avião dedicado às rotas Lisboa/Pico/Lisboa e Lisboa/Horta/Lisboa.
- Esta solução permite ter uma aeronave adaptada às condições atuais das pistas do Pico e do Faial, que opere sem limitações nos dois aeroportos (ex., Airbus A319, Airbus A220 e Embraer E190-E2) e com capacidade adaptada à procura em ambas as estações IATA, com possibilidade de reforços no Verão IATA.
- Projeta-se, com esta sugestão, uma rentabilidade da operação considerando uma rotação diária com Lisboa em ambos os aeroportos, atendendo ao número de lugares a preencher (menor que os A320) e com custos de operação bastante inferiores aos atuais. Com base na ocupação atual, no Verão IATA a operação continuaria a ser rentável com um reforço de uma segunda aeronave, permitindo duas rotações diárias para cada uma das ilhas do Pico e do Faial.
- Com exceção do Airbus A319, as outras aeronaves sugeridas (Airbus A220 e Embraer E190-E2) permitem também voos desde o Pico ou o Faial para pontos do centro da Europa e mesmo até à costa leste da América do Norte, possibilitando não só potenciar fluxos atuais, mas também iniciar novas rotas através de operações sazonais ou voos charter (libertando igualmente lugares nas rotas inter-ilhas e beneficiando, assim, o arquipélago como um todo).
Como sugestão final, a SATA poderia reunir anualmente com as partes interessadas (associações empresariais, câmaras municipais, etc.) para expôr os planos de programação para as estações IATA relativamente aos voos entre o exterior e o Triângulo, para que possam justificar o número de frequências, horários e eventuais limitações a ajustes (slots em Lisboa, disponibilidade de aeronaves, horários que não podem mudar muito no inverno por causa do pôr-do-sol, estatísticas de ocupação das estações IATA anteriores para justificar alterações do número de rotações, etc.), gerando mais transparência e melhor compreensão de todos.
Por fim, há que salientar que o cancelamento de voos vindos do exterior da Região para o Pico ou para o Faial não é só um problema destas duas ilhas, ou que afeta diretamente apenas o Triângulo; este é um problema dos Açores, cuja resolução, através de soluções efetivas e duradouras, tornará o arquipélago açoriano mais forte, mais equilibrado e mais justo.
Haja saúde!
Ivo Sousa
Luís Ferreira
Bruno Rodrigues
Post scriptum: Esta carta aberta, da exclusiva responsabilidade do Grupo Aeroporto do Pico, foi entregue, como anexo, na reunião do Conselho de Administração da SATA com as forças viva do Pico (realizada em São Roque do Pico, em 24 de junho de 2019), e também foi entregue, igualmente como anexo, na reunião conjunta entre o Presidente do Governo Regional dos Açores e várias entidades do Triângulo (realizada na cidade da Horta, em 26 de junho de 2019).