No seguimento do artigo "O milagre do vinho que transforma os últimos em primeiros", no qual se denunciou que a Sessão Plenária de 2019 da Assembleia das Regiões Vitícolas da Europa terá lugar na ilha do Faial (pese embora tenha uma visita de campo à ilha do Pico), foram inúmeras as reações da sociedade picoense a contestar o local escolhido e a questionar as razões para a tomada desta decisão. A título de exemplo, os deputados municipais da Madalena aprovaram por unanimidade um voto de protesto ao Governo Regional pela não realização desta reunião internacional no Pico, bem como a Associação Comercial Industrial da Ilha do Pico (ACIP) emitiu um comunicado onde afirmou, entre outros, que "a não escolha do Pico, para a realização da Sessão Plenária de 2019 da Assembleia das Regiões Vitícolas da Europa, realizada nos Açores, é completamente incompreensível", além de pedir uma explicação desta decisão a quem de direito.
Face a tudo isto, o Governo dos Açores decidiu emitir um esclarecimento, o qual não só se transcreve de seguida, mas também se analisa e comenta, de forma a fornecer ao leitor toda a informação que foi possível recolher nos últimos dias.
A Secretaria Regional da Agricultura e Florestas, face ao comunicado da Associação Comercial e Industrial da Ilha do Pico sobre a não realização da Sessão Plenária da Assembleia das Regiões Europeias Vitícolas (AREV) no Pico, considera necessário esclarecer:Comecemos pela interpretação do que significa a expressão "desde a primeira hora": serão dias, meses ou anos? A certeza da resposta está no segredo dos deuses, mas pode ser balizada no tempo. Em novembro de 2018, durante a comemoração dos 40 anos da Associação Agrícola do Faial, o Secretário Regional da Agricultura anunciou que, em 2019, o Faial iria receber a reunião anual da Assembleia das Regiões Vitícolas da Europa — isto prova como a decisão em questão estava tomada com cerca de 7 meses de antecedência. Por outro lado, em novembro de 2014, ou seja, há 4 anos e 7 meses, teve lugar, pela primeira vez nos Açores, um encontro da Assembleia das Regiões Europeias Vitícolas, curiosamente também no Faial e com visita de campo ao Pico. Posto isto, pode-se concluir que "desde a primeira hora" está compreendido entre 7 meses e 4 anos + 7 meses, ou seja, houve um período de 4 anos para se perceber que não seria possível reunir a logística necessária para realizar a reunião em questão na ilha montanha. Antes de se analisar os pormenores logísticos, fica aqui uma dúvida no ar: será que a decisão de replicar, em 2019, a fórmula Faial + Pico de 2014 foi tomada porque facilitava a preparação desta reunião, pois evitava ter de se (re)analisar exaustivamente as condições logísticas da ilha montanha (e que eventualmente mudaram em 4 anos)?
1 – Desde a primeira hora que foi intenção do Governo dos Açores realizar a Sessão Plenária da AREV exclusivamente na ilha do Pico.
Tudo foi feito para que fosse possível realizar este evento internacional numa ilha com grande tradição vitivinícola e cujas curraletas de vinha estão classificadas pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade.
A alternativa de repartir o evento pelas ilhas do Faial e do Pico só surgiu depois, quando se percebeu que não seria possível reunir um conjunto de requisitos logísticos padrão, que são sempre aplicados nas sessões plenárias da AREV.
Dos "requisitos logísticos padrão" acima indicados e que não foram possíveis reunir na ilha montanha, note-se que foi verificado com pelo menos 7 meses de antecedência (com base no que foi deduzido anteriormente) que a hotelaria tradicional do Pico já tinha várias reservas. Das duas, uma: ou os turistas que nos visitam reservam alojamento na ilha montanha com vários meses de antecedência — o que prova como o Pico está na moda — ou então a organização foi verificar a disponibilidade tarde de mais. Em qualquer caso, fica aqui mais uma dúvida no ar: será que foi sugerido ou indagada a possibilidade de o alojamento poder ser dividido por várias unidades hoteleiras?
2 – Na data da realização deste evento não havia no Pico disponibilidade de alojamento para acolher todos os participantes numa única unidade hoteleira.
Também em termos de organização dos trabalhos da Assembleia era necessário assegurar no mesmo edifício uma sala, em plateia e com mesas corridas, com condições para instalar cabines de tradução simultânea, bem como uma sala contígua para reuniões paralelas e um espaço para almoço volante.
Os espaços existentes no Pico não permitiam satisfazer todas estas exigências.
Ainda sobre a logística, a menção "assegurar no mesmo edifício uma sala, em plateia e com mesas corridas, com condições para instalar cabines de tradução simultânea, bem como uma sala contígua para reuniões paralelas e um espaço para almoço volante" pode encaixar, por exemplo, em algumas sedes de filarmónicas do Pico ou salões de Casa do Povo; mesmo que faltasse um dos espaços, poderia ser montada uma tenda anexa — note-se que se no Dia dos Açores de 2018 foi possível montar uma tenda em plena Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico para um almoço para centenas de convidados, então não seria assim tão complexo fazer algo em menor escala e, ainda por cima, contíguo a um edifício. Mais uma vez, uma nova dúvida surge: estas hipóteses foram exploradas ao máximo?
Há que concordar plenamente com esta afirmação: o objetivo decerto não foi lesar o Pico; a questão é que a ilha montanha poderia ser muito mais beneficiada do que irá ser...
3 - O modelo adotado para a realização da Sessão Plenária da AREV nunca visou melindrar ou prejudicar o Pico.
Estas são ótimas estatísticas e que provam o valor do Pico, ao mesmo tempo que homenageiam o esforço dos picarotos ao longo de séculos. Contudo, repare-se numa curiosidade: para a edição deste ano da Feira Nacional de Agricultura, foram transportados cerca de 20 toneladas de materiais, entre pedra basáltica e bagacina, dos Açores para Santarém, para representar a vinha do Pico; quem sugeriu esta ideia decerto teve inúmeras pessoas a lhe dizerem que seria uma operação logística muito complexa (seja com pedra do Pico ou mesmo de outra qualquer ilha mais próxima do Continente), mas a verdade é que esta representação se tornou numa realidade. Assim, a dúvida que se adiciona agora à lista é: consegue-se levar 20 toneladas de pedra e bagacina dos Açores para Santarém, recriar lá uma vinha típica da ilha montanha, mas não se consegue que cerca de 100 pessoas tenham uma reunião no Pico por questões logísticas?
4 – Prova disso mesmo, a ilha do Pico tem sido palco de vários eventos relacionados com o setor agrícola.
Em 2018, decorreu o Comité de Acompanhamento do PRORURAL+ e, neste mês de junho, acolherá 30 profissionais, jornalistas e líderes de opinião do mundo do vinho, que participam no “Wine Summit 2019”, oriundos dos Europa, EUA e Canadá.
Além disso, a vinha e o vinho do Pico estarão em destaque na edição deste ano da Feira Nacional de Agricultura, bem como na Feira Agrícola Açores, que se realiza este ano no Faial.
O vinho e, em especial, o Pico estarão em destaque com a criação pela primeira vez de um pavilhão institucional dedicado só ao tema “O vinho e a vinha nos Açores”.
Há outra certeza que podem ter: os picarotos mostrarão como o trabalho feito na vinha e no vinho do Pico é de excelência, merece o maior reconhecimento possível, além de que os participantes serão acolhidos com a magnífica hospitalidade da ilha montanha.
5 – O Governo dos Açores está seguro que os trabalhos reservados para a ilha do Pico, no dia 13 de junho, serão uma excelente oportunidade para dar a conhecer mundialmente todo o trabalho e potencial de crescimento dos vinhos de qualidade que são produzidos nos Açores.
Foi preparado um programa vasto e diversificado, que inclui a visita à Paisagem da Cultura da Vinha, classificada como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, ao Museu do Vinho, à Adega A Buraca e ao Centro Interpretativo da Vinha, onde haverá lugar à degustação de vinhos açorianos certificados, com a presença de várias forças vivas da ilha.
Do programa constam também visitas à Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico e a um projeto apoiado pelo VITIS.
Não haja dúvidas que o Pico, os Açores, Portugal, a Europa e o mundo tirarão proveitos da reunião em questão. De forma mais precisa, os holofotes da viticultura europeia estarão apontados aos Açores, e isso é bom sobretudo para o Pico, que estará entre o centro destes holofotes e a respetiva penumbra...
6 – Esta iniciativa trará amplos benefícios para a produção e cultura vitivinícola do Pico, mas, no fundo, serão os Açores, no seu todo, que ganham com a realização deste evento.
Por fim, reza a história que quando os primeiros povoadores chegaram ao Pico, vários pensaram que cultivar vinha no meio de pedra basáltica negra seria... um milagre! Pois bem, Frei Pedro Gigante, que decerto era crente, mostrou como há milagres que se realizam, sendo ele o precursor do que hoje se tornou património mundial: a paisagem da cultura da vinha do Pico. Nos dias que correm, a reação dos picarotos a toda esta questão (local escolhido para a Sessão Plenária de 2019 da Assembleia das Regiões Vitícolas da Europa) mostrou como o espírito do Frei Pedro Gigante ainda está bem presente: muitos ainda podem achar que realizar conferências no Pico sobre vinho é um milagre, mas muitos mais sabem que no futuro, seja mais cedo ou mais tarde, isso será uma realidade!
Haja saúde!
Post scriptum: Este artigo foi igualmente publicado na edição n.º 41.894 do 'Diário dos Açores', de 13 de junho de 2019. Em paralelo, a ACIP emitiu novo comunicado [link], onde reafirma que não foram "tidos nem achados" pelo Governo Regional sobre a realização desta sessão plenária.
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